Reinvenção da Esquerda

A oposição ao governo Jair Bolsonaro é absurdamente diferente da reinvenção da esquerda no Brasil, na qual a oposição admite acordos menores e parceiros com pouca ou quase nenhuma ideologia política[1], ocorrendo principalmente no poder legislativo por intermédio da Câmara dos Deputados, como no caso da eleição do presidente da Casa, na qual o importante é um coordenador com nível de razoável independência e coragem ante o clã da família que hoje povoa os Palácios do Planalto e Alvorada.

Ao tratarmos da reinvenção da esquerda, e ao levarmos em consideração a classificação ideológica dos partidos políticos no Brasil[2],essa “reinvenção” deve vir de um conjunto novo, na qual todos os partidos do campo progressistas desde os anos 80 e durante os governos do Partido dos Trabalhadores 2003-2015).

Os vícios da década da esquerda são necessários serem eliminados, para que se possam olhar a realidade nua e crua, amarga e cinza que assola o Brasil, dessa forma surge a necessidade de uma reinvenção da Esquerda brasileira, e para que isso possa ocorrer é necessário algumas bases, primeiro: autocrítica; é impossível tratar de reinvenção sem reconhecer os erros cometidos politicamente e em alguns casos, até criminais; segundo: a forma de entender os anseios da população; terceiro: politização em massa, os governos do PT deram poder aquisitivo mas não educação política; e quarto: o lugar o PT – irão ceder espaço ou preferem afundar o país com o próprio ego?

Penso em autocrítica em outro sentindo: os governos de esquerda e centro-esquerda no Brasil foram tímidos no enfrentamento dos problemas estruturais do país. Não tiveram força, ou vontade política, de radicalizar a democracia, promovendo uma forte transformação na estrutura social, provocadora desta miríade de desigualdades sociais. Também não foi radical o suficiente para expandir a participação política, despreocupando-se com a reprodução de uma minoria masculina, branca e preconceituosa nas posições de poder no Estado e nas listas partidárias eleitorais. Infelizmente, quando da vitória da extrema-direita, as estruturas do poder econômico, patriarcal e escravista, estavam bastante conservadas, e puderam ser usadas das formas mais perversas possíveis.

A esquerda brasileira, hoje, depende muito do papel que o Partido dos Trabalhadores encontrará para si no novo cenário, um vez que ainda é o maior partido de esquerda do país, chegando a ocupar a presidência da república de forma consecutiva por 4 vezes, tendo a maior bancada na Câmara dos Deputados, isso é um fato – trazendo grande responsabilidade ao partido – e essa grande responsabilidade implica a criação de novas lideranças, deixando de estar refém da velha esquerda e do ex-presidente Lula.

Não existe reinvenção da esquerda sem o PT, mas não também não haverá se o PT não compreender que o espaço que ocupou e o que ocupa atualmente, seja no governo, oposição e com o eleitorado.

É dever da esquerda ser democrática de forma a se relacionar com os outros partidos e movimentos da esquerda brasileira. Isso não implica fazer concessões a coronelismos esquerdistas de ocasião. Um projeto de esquerda não se reorganiza dando espaço para “direitas convertidas’, como MDB e outros “centrões da vida”.

A esquerda brasileira precisa de projetos, isto é, um projeto que vá além da pauta antibolsonaro e antifascista, é necessário um projeto nacional de Brasil para aperfeiçoar e defender o que sobrar da democracia em 2022, incorporando novas questões políticas e até mesmo econômicas.

Não seria a ideia, o projeto argentino na chapa do presidente Alberto Fernández e Cristina Kirchner?

É necessária uma nova postura, relativamente às questões do trabalho. Não é suficiente a crítica constante à precarização, quando parte significativa da população brasileira está buscando se salvar da miséria em um trabalho precário. Não adianta achar que falar com o trabalhador é ir para as portas das fábricas e aos sindicatos, já que fábricas e os antigos trabalhadores não mais existem.

Outra questão central é a relação com as igrejas. Elas têm tomado grande espaço na vida das pessoas, com ênfase nos excluídos socialmente, e dão sentido à forma como muitas pessoas entendem o mundo. A denúncia constante contra algumas igrejas, cujos líderes possuem interesses comerciais nem sempre lícitos, não é suficiente. É necessário e urgente aproximar-se das igrejas e interpelar o discurso religioso, não para se contrapor, ridicularizá-lo ou desqualificá-lo, mas para ressignificar, articulando-o às questões de justiça social, de igualdade racial, igualdade de gênero, de liberdade ao tomar decisões.

As igrejas pentecostais vieram para ficar, a esquerda, infelizmente, não pode se dar o luxo de ignorá-las.

Finalmente, mas não menos importante, urge trazer para dentro da política, para a construção de um projeto de esquerda, uma grande parte da população que está muito distante, ainda que não seja conservadora, reacionária ou bolsonarista, os jovens: brancos ou negros, homens e mulheres cis ou trans, da periferia ou de alguns setores de classes médias, que militam em causas muito importantes e inovadoras, mas estão longe de projetos políticos partidários. Não há projeto de esquerda inovador liderado por uma gerontocracia.

 Agora, nas eleições municipais, há muitos candidatos e principalmente candidatas à vereança que são jovens, muitas negras, alguns e algumas da periferia, com propostas originais, inovadoras e democráticas. Está mais do que na hora de prestar atenção ao que está acontecendo em 2020, para que 2022 não venha a ser uma disputa entre direitas.

Será!?


[1] https://repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8935/2/Esquerda_e_direita_no_sistema_partidario_brasileiro_analise_de_conteudo_de_documentos_programaticos.pdf

[2] https://www.scielo.br/pdf/rsocp/v21n45/a11v21n45.pdf

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